Hipnotismo e Hipnose: Como chegamos a esses termos e qual o correto a se utilizar?

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Hipnotismo ou Hipnose? Algumas pessoas se perguntam qual seria o termo correto para se referir ao processo de indução ou prática do transe.
Na verdade, ambos os termos estão corretos em contextos gerais. Eles se diferem somente na forma com que afetam o sentido da frase. “Hipnotismo” remete à prática de hipnotizar, e “hipnose” ao estado alcançado pelo hipnotismo. Nesse texto você vai compreender como nasceram os nomes dados à hipnose e derivações do prefixo HIPNOS.

O que é Hipnos?

Seria mais coerente perguntar “Quem foi Hipno?”

Sim, Hipno existiu para a maioria dos gregos antigos e representava o deus responsável pelo sono. Ele era a personificação da sonolência. Filho da deusa da noite Nix e irmão gêmeo de Tânato, a personificação da Morte. Hipnos seria o responsável pelo descanso restaurador de todas as criaturas terrestres. Com seu filho Morfeu, cuidava para ninguém acordar do sono profundo. Em 1806, o alemão Friedrich Sertüner recorreu a Morfeu para dar o nome ao alcalóide derivado de ópio que acabara de isolar. Batizando de morphium ou morphin, palavra que via franceses chegaria ao português como Morfina.

Das cavernas até a Psicologia: O termo Hipnotismo na História.

 

É certo que a prática da hipnose foi observada de diversas formas em muitas civilizações no decorrer da história. Atrelada à religião ou xamanismo com o objetivo de curar e referida como “sono mágico”,  era provocada por sacerdotes. No Iluminismo iniciou-se a busca por uma compreensão mais científica dos fenômenos que aconteciam na Terra. Se tornou necessária a comprovação dos preceitos ou teorias já seguidas. Essa época promoveu o uso da razão e esclarecimento de todas as coisas pelo homem. Traz-se à luz o conhecimento geral, garantindo segurança a todos.

Mesmerismo

Em meio a essa cultura científica surgem os primeiros vislumbres de uma regência da hipnose como conhecemos hoje. Ela aconteceu quando um médico veneziano chamado Anton Mesmer apresentou sua tese para a academia. A dissertação sobre o Planetarum Influxu, defendia a existência de um fluido magnético derivado das estrelas que envolveria toda a matéria do planeta. Nos organismos vivos esse fluido recebeu o nome de magnetismo animal. Quando em equilíbrio no nosso corpo, ele seria responsável por nos manter saudáveis e sãos.

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O tratamento era feito com a imposição das mãos de Mesmer sobre o outro a ser curado ou anestesiado. A técnica era utilizada para transferência ou subtração de fluidos. Mesmer supostamente manipulava a quantidade necessária desse fluido magnético para provocar uma reação esperada. O Magnetismo, como era chamado, adquiriu muitos seguidores e se adaptou em diversos ambientes. Magnetizadores costumavam fazer apresentações de palco e consultas clínicas em consultórios. Em algumas cidades, eles ganhavam fama e apoio do governo para atuar em hospitais. Foi o caso de James Esdaile. Ele obteve o apoio do Governador de Bengala para participar de intervenções cirúrgicas. Acabou realizando mais de três mil delas com técnicas anestésicas na Índia.

Um recorte no espaço-tempo, Abade Faria.

Em meio a esse processo de fama do mesmerismo e entre seu diversos apoiadores praticantes como Puysegur, Lafontaine, Petetin, Du Potet, Deuleuse etc, há o padre Abade Faria. Personagem crucial para o próximo passo da história. Houve o desenvolvimento da teoria de Mesmer ainda naquela época quando Abade Faria voltou a sua atenção para a importância do pensamento e da imaginação do paciente. Sendo o precursor da utilização da sugestão verbal, com os demais defendendo a hipótese do fluido. Essa teoria não foi bem aceita, gerando polêmica e criando uma imagem negativa. Abade chegou a ser apontado como maníaco por Chateubriand e bruxo por Alexandre Dumas.

Esses “dévios” sobre pensamento comum são muito importantes para a história da ciência como um todo e acontecem em todos os setores dela. As teorias de Abade voltam a ser desenvolvidas de forma indireta décadas depois, quando o conceito e palavra “hipnose” estão bem estabelecidos. Ignorado pela maioria de sua época, Abade só vem a ser reconhecido no século XX quando é publicado pelo ganhador do prêmio Nobel de Medicina Egas Moniz, em sua biografia sobre o próprio.

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Hipnose é coisa da sua cabeça: James Braid e o nascimento da palavra hipnotismo.

Em novembro de 1841, James Braid, médico-cirurgião de Manchester foi a uma sessão de Mesmerismo de palco do magnetizador Lafontaine para desmascará-lo. Lá Braid não teve sucesso, constatando que a fenomenologia era verdadeira e agora permanecia insatisfeito com a causa provocadora do Magnetismo. Ao retornar, ele concluiu que os fenômenos são reais mas a sua causa não. Considerando que de maneira nenhuma existiria fluido.

Segundo James Braid, qualquer manobra que canse o sistema nervoso (ele usava a fixação) produz um estado de perturbação por conta da fixidez do olhar e demanda da atenção associada ao repouso físico. Alegando que todo o resto após essa indução depende da impressionabilidade do sujeito “magnetizado”. Para provar isso, fez experiências com diferentes pessoas. Com elas ele conseguiu obter o mesmo resultado esperado de repouso ou estafe sem os procedimentos magnéticos utilizados comumente, como a manipulação de imãs em contato com a pele do paciente. Todos esses resultados foram publicados e comprovados em 1842.

Finalmente, ciência!

Ansioso para desmascarar o Mesmerismo (uma teoria que afetava potencialmente o modus operandi e clima intelectual Iluminista), ele precisava de uma nova palavra para descrever sua descoberta, criando a área de estudo denominada Neuro-Hipnotismo. Posteriormente, lançou o livro Neuro Hipnologia, cujo neologismo foi inventado pela associação do resultado da indução que provoca um cansaço neurológico, assim como o Deus Grego Hypnos, o mesmo da história inicial. O anúncio dessas mudanças de termos foi feito pelo próprio Braid:

“É de extrema importância na discussão de qualquer assunto ter o conhecimento correto do significado associado a termos utilizados por ele. Agora vou apresentar algumas definições (sobre Neurypnology) e explicar minhas razões para adotar os termos selecionados.

Neurypnology é uma palavra derivada das palavras Gregas νεύρο, nervo; ύπνος, sono e ομιλία, o discurso, essa última significa o “racional” ou a doutrina do “sono nervoso”. Esse eu defino como “uma condição peculiar no sistema nervoso em qual pode-se ser induzido por elementos artificiais” ou , “uma condição peculiar do sistema nervoso induzida por uma fixa e abstrata atenção mental e visual em um objeto de natureza não excitante.”

Através do termo “Neuro-Hipnotismo” que subentende-se como “sono nervoso” (nervoso no sentido neural, no caso); e por uma questão de brevidade, suprimindo o prefixo “Neuro”, obteremos os termos:

  • Hipnótico: O estado ou condição do sono nervoso.
  • Hipnotizar: Ato de induzir ao sono nervoso.
  • Hipnotizado: Aquele que foi colocado no estado de sono nervoso.
  • Des-hipnotizado: Restaurado do estado ou condição de sono nervoso
  • Hipnotista: Aquele que pratica o Neuro-Hipnotismo

Sempre que, a partir de agora, qualquer desses termos seja utilizado nas páginas seguintes, eu espero ser entendido como aludindo à descoberta que eu fiz de certos fenômenos peculiares derivados e aliciados pelo meu modo de operar. E com isso prevenir confusões ou misturas com outras teorias praticadas através do sistema nervoso, acredito que essa seja a melhor forma de definir o desígnio precedente.

Eu me arrependo, como a maioria dos meus leitores devem saber, ao tamanho inconveniente da palavra. Grande parte dos nossos termos profissionais, e quase todos aqueles com um significado doutrinal, têm origem grega. Considerei de bom grado não desviar desse modelo já estabelecido. Para evitar maiores problemas, eu subtraí duas letras da palavra original, que é Neuro-Hipnotismo.

(BRAID, 1843. Neurypnology, p. 12. Trad. Mariana Porto)

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A pedido do próprio Braid, hoje ele é reconhecido com pai da Hipnose. Nesses trechos podemos reconhecer o nascimento de muitas das palavras que utilizamos hoje em dia no meio. Com o conhecimento da época, ainda se acreditava que o hipnotismo era algo similar ao sono. Não havia recursos de mapeamento cerebral suficientes para distinção entre sono e concentração profunda (transe).

Caminho sem volta: Hipnotismo jamais será Monoideísmo

Já no final da sua carreira, James Brand descobre que o sono não era preciso para produzir certos fenômenos hipnóticos e a palavra “Hipnotismo” passava a não fazer sentido. Procurou trocar o nome para monoideísmo – que é a tendência da atividade psíquica de se concentrar em volta de uma só ideia, uma só sensação, uma só lembrança e/ou uma só imagem. Como a palavra “hipnotismo” já estava enraizada e divulgada praticamente em todo o mundo, não foi possível.

É curioso também o fato de que a palavra “Hipnose” nunca foi dita por Brand. O termo “Hipnose” só apareceu na literatura por volta de 1880, praticamente 20 anos depois da morte de James. Cunhado pela Escola de Nancy, com os teóricos Liebeault e Berhein, que correlacionaram o hipnotismo com fenômenos conhecidos pela psicologia. Transpondo as questões hipnóticas para a esfera psicológica, onde a sugestão foi pontuada com núcleo da prática e chave para sua compreensão.

Fontes

BRAND, James. Neurypnology, 1843.
ALAKIJA, George. Estudo sobre Hipnose, 1992