A automutilação já é considerado um problema de saúde pública, por atingir milhares de pessoas por todo o mundo. Essa revelação soa assustadora, não é mesmo? Isso acontece porque, diferente do que a maior parte das pessoas pensam, quem se autolesiona, o faz de maneira escondida e silenciosa.
Apesar de não existirem dados oficiais sobre a automutilação no Brasil, hospitais universitários estimam que cerca de 20% dos jovens brasileiros já se automutilaram em algum momento de sua vida. Esse número se concentra principalmente entre jovens em idade escolar, principalmente entre adolescentes de 12 à 15 anos.
Com um número tão grande de pessoas afetadas, fica a pergunta: O que leva tantos jovens a quererem ferir o próprio corpo? Nesse artigo, identificamos algumas das causas e damos algumas dicas de como lidar com pessoas que passam por esse tipo de sofrimento.
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O que é Automutilação
Esse tipo de comportamento ganhou uma certa atenção da mídia em 2017, quando surgiram os diversos casos (e boatos em redes sociais) envolvendo o “jogo” russo Baleia Azul. Segundo os relatos, o “jogo” incentiva jovens à pensamentos negativos, à práticas de autolesão e até o suicídio. Mas a verdade é que a automutilação não é um fenômeno novo, a visibilidade só escancarou um tema que já causa sofrimento entre milhares de jovens por todo o mundo.
Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5.ª edição (DSM-5), o ato de mutilar o próprio corpo de forma consciente, mas sem o objetivo de tirar a própria vida, é chamado de “Autolesão não suicida” (ALNS).
Esse comportamento se caracteriza pela repetitiva realização de escoriações no próprio corpo. Os ferimentos são constantes, mas não letais. Na maior parte das vezes, essas lesões são realizadas nos braços e pernas (justamente pela facilidade de acesso e de esconder com roupas longas), mas também podem aparecer em outras partes do corpo como barriga e costela. Os tipos mais comuns de lesão são arranhões, cortes e perfurações, mas o comportamento também pode ser identificado através de queimaduras e pancadas.
Diferente de uma tentativa de suicídio, a ALNS é identificada a partir de múltiplas lesões no mesmo local, muitas vezes realizadas em uma única sessão. Como o comportamento é repetido, o resultado são extensos padrões de cicatrizes.
O que leva as pessoas a se Automutilarem
Não é possível identificar um único fator que motiva as pessoas a praticarem a automutilação. De forma geral, são identificadas ao menos 3 questões que podem estar associadas a esse tipo de comportamento, normalmente associado à outros transtornos, como depressão, transtorno de personalidade borderline, transtornos alimentares e abuso de drogas.
- Um mecanismo de defesa mal-adaptativo para reduzir a tensão ou sentimentos negativos;
- Comportamento autopunitivo ou aversão a si mesmo;
- Efeito contágio, a partir da necessidade de se identificar ou pertencer a determinado grupo;
Mecanismo de defesa mal-adaptativo
Para a psiquiatria, a causa mais comum da automutilação nada mais é que um “mecanismo de enfrentamento mal-adaptativo, seguido de uma gratificação”. Em outras palavras, por mais estranho que isso possa parecer, ela funciona como uma espécie de “antídoto temporário para a angústia”.
Explicando de forma mais objetiva, para o nosso cérebro a ALNS não se diferencia de outros comportamentos disfuncionais ou compulsões (como o ato de comer exageradamente, mesmo quando não se tem fome ou o consumismo exagerado sem levar em conta o saldo bancário).
Como o comportamento costuma acontecer em comorbidade com outros transtornos psicológicos, como a depressão, a automutilação funciona como um espécie de alívio do sofrimento, funcionando como uma espécie de anestesia emocional. É como se o sujeito preferisse sentir a dor física do que a dor psicológica. Dessa forma, diferente do que o senso comum indica, automutilação é realizada como uma forma de evitar o suicídio. Porém, como a autolesão é um sinal de extremo sofrimento psíquico, o risco a longo prazo de tentativas de suicídio é maior. Segundo a Organização Mundial de Saúde, adolescente que se automutilam têm 37 vezes mais chances de chegar ao suicídio, portanto, a ALNS não deve ser menosprezada.
Mas você deve estar se perguntando: Como um ato tão radical como ferir o próprio corpo pode ser comparado com ações aparentemente inocentes como a compulsão alimentar e o consumismo?
A neurociência tem uma explicação para isso:
Quando vivenciamos a dor física, uma série de regiões do cérebro ficam mais ativas. É quando o “sistema opióide endógeno”, que é composto pelas regiões do sistema nervoso responsáveis pela percepção de dor, entram em ação. Como resposta à dor, esse sistema libera neurotransmissores como a endorfina, que causa uma situação de conforto e relaxamento. Está aí a chamada “gratificação”, que falamos logo acima.
O problema é que essa sensação de gratificação é momentânea e a dor física continua. Com o tempo, após o alívio imediato, segue-se uma conseqüência negativa, a pessoa se sente culpada e arrependida por ter se machucado, por isso se esforça para esconder os machucados. Porém, a necessidade do alívio permanece mais forte, o que leva o sujeito a se automutilar mais vezes. Existe uma busca constante pelo efeito inicial, assim a automutilação pode representar, para a pessoa, uma sensação preferível à angústia que ela estava sentido, ou até mesmo, à não sentir nada.
Comportamento autopunitivo
Outra razão identificada por pessoas que praticam a automutilação é o comportamento autopunitivo, ou a aversão a si mesmo. Esse padrão cognitivo normalmente é fruto de um trauma relacionado à abusos sofridos na infância. Relatos clínicos indicam que jovens vítimas de abusos sexuais ou bullying, sentem nojo e aversão pelo próprio corpo, por isso podem buscar a automutilação como forma de se punir pelo fato ocorrido
O processo traumático não está limitado à uma única ocasião. O comportamento autopunitivo também pode ser aprendido a partir de uma educação dura e baseada na dor (normalmente ligada à alguma religião). A pessoa é ensinada que a dor física é a resposta para se redimir de um erro ou “pecado”. Com o passar do tempo, o comportamento pode ser naturalizado e repetido para qualquer erro do cotidiano, se assemelhando ao mecanismo de defesa mal-adaptativo, já descrito acima.
Efeito Contágio
A adolescência é uma fase de muitas dúvidas, inseguranças e descobertas. Não é a toa que a maior parte dos casos de automutilação acontecem nessa época. As grandes alterações hormonais, unidas ao processo de formação da própria identidade e necessidade de pertencimento e aproximação de um grupo, acaba levando muitos jovens a romantizar transtornos como a depressão e a automutilação.
Essa romantização pode acontecer a partir da identificação gerada por um grupo de pessoas, pela identificação com músicas, livros ou filmes que tratam sobre o tema. Ou mais recentemente, por redes sociais como aconteceu com o “jogo” Baleia Azul.
Para prevenir esse tipo de romantização, é necessário que o jovem faça parte de um ambiente familiar saudável, onde ele encontre espaço para falar sobre suas dores sem ser repreendido, inclusive para pedir ajuda. Assim, ele conseguirá desenvolver habilidades para lidar com os riscos à sua volta, se preparando para a vida adulta.
Vale ressaltar que a superproteção, que priva o acesso dos filhos à informação, impedindo-os de ter acesso à músicas, filmes e a internet, não é nem de longe a melhor solução para impedir que essas coisas aconteçam, muito pelo contrário! Medidas pouco educativas estão fadadas ao fracasso e podem gerar um aprofundamento da situação de sofrimento. Por isso a melhor solução é sempre o diálogo.
https://www.youtube.com/watch?v=iutRmhu86R0
Diagnóstico e Tratamento
Tradução: E lembre-se que momentos ruins… são apenas momentos que são ruinsA autolesão não suicida é considerada um distúrbio psicológico em si, que pode acontecer em comorbidade ou como sintoma de outros transtornos mentais, como depressão, ansiedade, transtorno de personalidade borderline, transtorno bipolar, autismo e/ou esquizofrenia. Por isso, um diagnóstico preciso deve ser sempre realizado por um profissional de saúde mental, psicólogo ou médico.
Como é um transtorno mais comum na adolescência, os pais devem ficar atentos aos sinais físicos, mentais e comportamentais do jovem. A maior parte dos adolescentes não busca ajuda profissional, seja pela vergonha do próprio ato, ou por não identificá-lo como algo necessário para sua vida.
O uso constante de roupas de mangas compridas, casacos e roupas que escondam demais o corpo, podem ser um sinal de alerta. Mas é sempre importante tomar cuidado com a abordagem, evitando invadir a privacidade do jovem. Ao identificar marcas de automutilação, é importante evitar reações exageradas, mas nunca ignorá-las. A conversa franca, buscando ouvir e entender as razões, emoções e motivações que levaram o jovem para aquela experiência, é fundamental.
A partir disso, o tratamento envolve a realização de psicoterapia e em casos de comorbidade, o uso de medicamentos pode ser receitado. A hipnoterapia pode ser uma abordagem efetiva para auxiliar o paciente a evitar crises e aprender a lidar com as emoções de uma forma mais saudável.
Tradução: Ah doce vida. Te amo. Não desista.