Um novo estudo chamado Memórias hipnotizantes: substratos cerebrais da supressão da memória episódica na amnésia pós-hipnótica aponta as áreas específicas do cérebro que são afetadas pela hipnose. Produzido em Israel pelo PHd Avi Mendelsohn, a técnica pode ser uma ferramenta para explorar o que acontece no cérebro quando nos esquecemos de algo de repente.
E não é isso que acontece em uma sugestão de hipnose afinal?
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A Amnésia pós-hipnótica
Não é recente que hipnose tem sido considerada uma técnica valiosa para estudar fenômenos psicológicos intrigantes. Um exemplo clássico dessa abordagem é uma técnica conhecida como amnésia pós-hipnótica. Ela é utilizada em estudos para decifrar distúrbios de memória como a amnésia funcional, por exemplo.
A amnésia pós-hipnótica é a perda súbita de memória devido a algum tipo de marco. Ou seja, quando o lapso de memória não é decorrente de danos cerebrais ou doenças. No contexto da hipnose esse marco é justamente o processo de cansaço mental decorrente da indução.
O hipnólogo que produz a amnésia pós-hipnótica primeiramente sugere à pessoa hipnotizada que ela vai esquecer certas coisas. para que posteriormente o hipnólogo realize um “cancelamento”, como por exemplo: “Agora você pode se lembrar de tudo.” A APH normalmente só acontece quando é especificamente sugerida e é muito mais provável que ocorra com pessoas mais suscetíveis a sugestões e/ou sonambúlicas.
A memória explicita e implícita
Atualmente, um novo estudo mostra que esse estado hipnótico realmente influencia a atividade cerebral associada à memória. Nele as pessoas suscetíveis à hipnose quando conduzidas à APH, realmente apresentam a memória explícita enfraquecida. Quer dizer, elas apresentam dificuldade em lembrar conscientemente de eventos ou materiais direcionados pela sugestão!
Os conceitos de memória explicita e implícita são explorados pelo projeto de formas opostas. A memória explícita faz parte da memória permanente. Ela é aquela que pode ser declarada, como fatos, nomes e acontecimentos. Já a memória implícita, por outro lado, é aquela que evoca habilidades. Coisas que você sabe fazer ou objetos que só de interagir com eles você sabe como funcionam. Dirigir é um bom exemplo do uso dessa memória
Ou seja, quando a amnésia pós-hipnótica acontece ela provoca uma dissociação entre memória implícita e explícita. Ja que, embora os sujeitos não possam se lembrar da informação esquecida, ela continua a influenciar seu comportamento. O mais intrigante disso tudo é saber que o esquecimento é reversível. Quando a sugestão é cancelada, suas memórias voltam ou habilidades voltam.
A dissociação e a reversibilidade: Uma ponte para a amnésia funcional.
As duas principais características da amnésia pós-hipnótica confirmam que ela não é o resultado de uma falha. Ela não acontece quando as pessoas têm memória ruim ou a partir do esquecimento normal. Se fosse assim as memórias reais não retornariam quando a APH é cancelada!
Caso essa perda de memória natural acontecesse, a saída mais provável seria a criação de falsas memórias, como acontece frequentemente em sessões de regressão. Afinal, o nosso cérebro tende a preencher lacunas para solucionar problemas.
Em vez disso, a APH reflete uma incapacidade temporária para recuperar informações que são armazenadas com segurança na memória. Isso a torna uma ferramenta útil para a pesquisa. Os pesquisadores usaram a APH como um análogo de laboratório da amnésia funcional, no sentido de que essas condições compartilham várias características semelhantes.
Amnésia Funcional e Amnésia Pós-Hipnótica
Relatos de casos de amnésia funcional descrevem homens e mulheres que, após uma experiência traumática são incapazes de se lembrar de parte ou de todo o seu passado pessoal. Soldados que foram testemunhas da guerra, pessoas que tenham sofrido abuso sexual na infância, violência doméstica, desastres naturais ou atos terroristas, são grupos de risco para essa condição.
Com a amnésia-pós hipnótica, no entanto, esses lapsos são induzidos. Mas é certo que os indivíduos ainda demonstram memórias implícitas àquelas que foram apagadas em ambos os casos. Para que isso seja resolvido, o profissional deve buscar todos os contextos da memória a ser esquecida e prever gatilhos. Desse modo, ele conduz à perda definitiva do episódio em questão.
Com a Amnésia Funcional uma mulher que sofreu um estupro em um elevador não se lembra do ocorrido. Mas, em muitos casos, vai evitar o uso de elevadores e a ideia de usá-los causará desconforto. Assim, da mesma forma que repentinamente essas pessoas perderam suas lembranças, essas mesmas podem recuperá-las com a rapidez.
O Estudo e seus resultados
Para que a comparação entre a APH e a amnésia funcional seja mais significativa, nós precisamos saber que elas compartilham processos subjacentes. Uma maneira de testar isso é identificar os padrões de atividade cerebral associados à amnésia pós-hipnótica.
E foi exatamente isso que os cientistas do projeto Memórias Hipnotizantes fizeram usando imagens de ressonância magnética funcional (fMRI).
A Primeira Fase: O que é “esquecer” para o seu cérebro?
Eles selecionaram cuidadosamente 25 pessoas para participar da experiência. Embora todos fossem suscetíveis à hipnose, testes anteriores mostraram que apenas metade poderia responder a uma sugestão de Amnésia Pós-Hipnótica. Esses grupos foram intitulados de formas diferentes: o grupo “APH” e o grupo “não-APH”
Nesse primeiro momento do experimento, os participantes assistiram a um filme de 45 minutos para que depois esse filme pudesse ser esquecido. E assim foi feito!
Uma semana depois, na sessão de teste, os participantes retornaram ao laboratório. Todos recordavam bem do que assistiram anteriormente. Dessa vez eles foram hipnotizado enquanto estavam no scanner fMRI. Durante a hipnose, as pessoas nos grupos APH e não-APH receberam uma sugestão para esquecer o filme até que ouvissem um sinal de cancelamento específico.
Os Testes de Memória
Após a hipnose, as memórias dos participantes foram testadas duas vezes, enquanto o scanner fMRI registrou sua atividade cerebral.
Teste 1
Nessa etapa foram feitas 40 perguntas sobre o conteúdo do filme (por exemplo, se a atriz bateu na porta do vizinho no caminho de casa) e 20 perguntas sobre o contexto em que eles viram o filme (por exemplo, durante o filme, a porta da sala de estudo estava fechada). Essas perguntas exigiam uma resposta “sim” ou “não”.
Teste 2
Os participantes receberam as mesmas 60 perguntas de reconhecimento, mas, primeiro ouviram a sugestão de cancelar a Amnésia Pós-Hipnótica. Assim, o teste 1 mediu o desempenho da memória e a atividade cerebral enquanto a sugestão de APH estava em vigor.
O teste 2, por outro lado, mediu o desempenho da memória e a atividade cerebral depois que ele foi cancelado.
Resultados
No teste 1, Mendelsohn e seus colegas descobriram que as pessoas do grupo de APH (que poderiam experimentar a APH) esqueceram mais detalhes do filme do que as pessoas do grupo não-APH (que não puderam experimentar a APH).
Mas no Teste 2, depois que a sugestão foi cancelada, essa perda de memória foi revertida. As pessoas do grupo APH reconheceram corretamente tantos detalhes do filme como pessoas do grupo não-APH.
Um tanto surpreendentemente, no entanto, a sugestão de esquecer foi seletiva em seu impacto. Embora as pessoas no grupo APH tivessem dificuldade em lembrar o conteúdo do filme seguindo a sugestão de esquecer, não tiveram nenhuma dificuldade em lembrar o contexto em que viram o filme.
Esse achado – que a APH interrompeu temporariamente a capacidade de algumas pessoas de recordar o passado – ecoa décadas de pesquisas sobre hipnose.
Os Resultados Neurológicos
O que é inteiramente novo no estudo de Mendelsohn et al, é a sua demonstração de que a APH estava associada a um padrão específico de ativação cerebral. Em concordância com o que normalmente ocorre na lembrança, quando as pessoas do grupo não-APH realizaram a tarefa de reconhecimento e se lembraram com sucesso do que aconteceu no filme.
A fMRI mostrou altos níveis de atividade nas áreas responsáveis pela visualização das cenas (os lobos occipitais) e pela análise verbal apresentaram cenários (o lobo temporal esquerdo). Em contraste, quando as pessoas no grupo APH realizaram a tarefa de reconhecimento e não conseguiram se lembrar do conteúdo do filme, o fMRI mostrou pouca ou nenhuma atividade nessas áreas.
Além disso tudo, o fMRI mostrou atividade reforçada em outra área (o córtex pré-frontal) responsável pela regulação da atividade em outras áreas do cérebro nos dois grupos! Ou seja, a ativação cerebral medido pela fMRI correlacionou-se com a incapacidade de se lembrar.
Possíveis Perguntas
- 1 ) A ativação reduzida é sempre encontrada em tais pessoas, independentemente de se estão se lembrando ou esquecendo?
Não! Os indivíduos mostraram ativação reduzida somente quando responderam (sem sucesso) a perguntas sobre o conteúdo do filme, e não quando responderam (com sucesso) a perguntas sobre o contexto do filme.
- 2) Talvez então, a ativação reduzida reflita o esquecimento completo da informação, não apenas a supressão temporária?
Podemos descartar essa possibilidade porque, em uma reversão nítida, as pessoas do grupo APH mostraram uma ativação normal – assim como as do grupo não-APH- assim que a sugestão foi cancelada.
A Hipnose é real
O estudo de Mendelsohn et al, é importante porque demonstra que sugestões hipnóticas influenciam a atividade cerebral, não apenas o comportamento e a experiência.
Os efeitos hipnóticos são reais!
Esse fato foi demonstrado claramente em trabalhos anteriores, por exemplo, pelo psicólogo David Oakley (University College London) e colegas, que compararam a ativação cerebral de pessoas genuinamente hipnotizadas dando sugestões de paralisia das pernas com ativação cerebral de pessoas que foram solicitadas para fingir hipnose e paralisia.
Este último estudo também é importante porque começa a especificar os processos cerebrais subjacentes, que assumimos serem compartilhados por APH e amnésia funcional.
Mendelsohn et al, argumentou que a ativação cerebral observada na APH reflete um amortecimento – alguma forma de inibição rápida e precoce do material da memória – devido à atividade aumentada no córtex pré-frontal. Mas como o mecanismo de supressão decide o que suprimir? Neste estudo, o conteúdo do filme, mas não o contexto do filme, foi influenciado pela APH.
Memórias em Contexto
As memórias envolvem o “que”, “como”, “quando” e “onde” de um evento entrelaçados, de modo que as distinções entre conteúdo e contexto podem ser desfocadas (por exemplo, “O filme foi filmado com uma câmera portátil? “).
Para fazer tais finas discriminações, o módulo supressor do cérebro presumivelmente precisa processar informações a um nível suficientemente alto. No entanto, este módulo precisa agir rapidamente, suprimindo pré-conscientemente a ativação da informação antes mesmo de entrar em consciência.
As tecnologias de imagem cerebral com resolução temporal superior à fMRI, como a magnetoencefalografia (MEG), podem ajudar a resolver este aparente paradoxo de operações sofisticadas, porém rápidas.
Também nos perguntamos, como o mecanismo de supressão na APH se relaciona com a vasta gama de esquecimento no laboratório e no mundo?
Considerando que algum esquecimento é visto como estratégico, com esforço e consciente (digamos, supressão), outro esquecimento é visto como automático, sem esforço e inconsciente (digamos, repressão).Tendo mapeado as características comuns da APH e a amnésia funcional, agora precisamos explorar e comparar em maior detalhe seus processos comuns (como o uso da estratégia, motivação, nível de consciência).
A importância da motivação do esquecimento
Finalmente, os fundamentos neurais da APH serão ainda mais claros quando incorporarmos seu aspecto mais importante nos estudos de imagem – a dissociação entre memória implícita e explícita. Tando na amnésia pós hipnótica quanto na amnésia funcional a pessoa é incapaz de recordar explicitamente certas informações.
Mas nós vemos evidências deste material sobre medidas implícitas. Um participante qualquer da amnésia pós hipnótica pode deixar de recordar a palavra “médico”, aprendido anteriormente. Porém, por outro lado, não terá dificuldade em completar a palavra fragmento “M_ _ I _ O”, por exemplo.
Mendelsohn et al, não avaliaram a memória implícita. Em vez disso, eles testaram o reconhecimento, que em certo sentido confunde a memória explícita e implícita.
Gostaríamos de comparar as varreduras cerebrais de um grupo de APH tentando se lembrar explicitamente do filme (elas devem mostrar ativação reduzida, como acima) com exames cerebrais do mesmo grupo completando uma medida de memória implícita do filme (eles devem mostrar ativação normal).
Isso seria difícil de fazer – medidas implícitas de material complexo como filmes e memórias autobiográficas são difíceis de encontrar ou construir, mas contribuiriam para um quadro neural mais completo dos processos envolvidos nestas fascinantes formas de esquecer.
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